domingo, 20 de janeiro de 2008

O MULATO: RAÇA E COR NA LITERATURA

Numa forma de controle social, o homem cria o estereótipo, atitude que na verdade serve apenas para reforçar e justificar um determinado tipo de preconceito. A escravidão brasileira é responsável pela criação do estereótipo étnico, que vitimou o negro a viver no subsolo da condição social e que estabelece a distância social entre o senhor e o escravo fortalecendo contrastes entre o homem branco decente, culto, civilizado, e o negro bárbaro, irracional.
É claro que o estereótipo não está necessariamente ligado à etnia. Entretanto, a questão da raça e da cor representa o ponto crucial para a verificação deste componente no romance O Mulato, de Aluísio Azevedo. Através da leitura, será possível a um leitor do século XXI entender a trajetória dolorosa da existência do negro brasileiro tantas vezes vítima da segregação e de sentimentos de superioridade estabelecidos pelo branco europeu; o negro que até certa época não era estatisticamente considerado sequer como homem.
A cor do homem negro é, sem dúvida, o seu pior defeito e que dá à sociedade intolerante a chance de criar outros estereótipos populares. Assim, nascem da boca do povo expressões “negro de alma branca”,“casar com branca pra limpar a raça”, “mulato bem clarinho”, e que passeiam pela cultura popular numa forma de dissimular julgamentos de aversão à raça responsável pela formação étnica do povo brasileiro. A fusão do estereótipo com a realidade faz surgir, ainda, outros elementos, dessa vez, refletindo o ódio racial no Brasil. O preconceito estabelece, assim, o modo mais maledicente e indigno de intolerância racial.
O poeta mineiro e negro, Adão Ventura, cuja poesia “advém do sentimento da cor da pele”, mostra que para aparecer sócio-economicamente como indivíduo, o negro teve que incorporar valores brancos, que vão resguardá-lo da violência e do anonimato: o preto de alma branca e sua cor camaleão [...].
Antes da presença do Naturalismo como manifestação literária, a temática da cor e da raça chegava aos escritos sem a obrigação da polêmica. O Naturalismo trouxe renovação no que concerne à temática do negro, revitalizou tal abordagem acenando para a extinção do regime escravocrata. Nesse ponto, o romance O Mulato representa uma denúncia: Aluísio Azevedo tenta expor as feridas de uma sociedade pouco sensível às transformações que se faziam acontecer.
Com Raimundo, personagem principal, Aluísio procura fazer não o resgate do “preto de alma branca”- ainda que incorporasse as qualidades de um branco, o personagem descobre-se mulato e vê que não apenas a negritude aparente na pele é responsável pela indiferença e frieza com que é tratado: a origem negra será o “muro” que o separará das fronteiras históricas e sociais, que o levarão a um caminho sem retorno -, mas a denúncia da chaga social que vivia o país. Ao sentir-se amaldiçoado pela palavra que justificaria seu passado (um mulato!), brotam em Raimundo o ódio, a vergonha, o ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade: “Pois então de nada lhe valia ter sido bem-educado e instruído; de nada lhe valia ser bom e honesto?”. O que aconteceu a Raimundo explicita-se, ainda, no texto de Adão Ventura: Carrego comigo / a sombra de longos muros tentando impedir / que meus pés cheguem ao final dos caminhos.
Em O Mulato, o processo de criação empregado por Aluísio Azevedo continua válido. Nossas diferenças sociais ainda estão à espreita de observadores que penetrem no poço social que ainda tem, tantas vezes, aprisionado o homem de ontem e de hoje.


À memória de meu pai, cuja cor da pele nunca se transformou numa faca que atingisse em cheio os nossos corações.

3 comentários:

Unknown disse...

yury:c.e.10 de maio turma 3004
esses textos, adorei.
e mostram que você é uma pessoa digna de cultura, que demonstra ter escrevendo.
passo a ser seu visitante diário
trate de escrever mais.heheheheh

bjos.

Vinícius Mérida disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vinícius Mérida disse...

Excelente texto, gostei muito da análise feita, ela que nos ajuda a entender o preconceito presente em nossa sociedade e como a literatura retratou isso. Lê, sua análise não é só literária, é histórica, sociológica e antropológica também, parabéns, ficou ótima.