sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Um lugar chamado Humildade



A vida é uma longa lição de humildade. A humildade não está na pobreza, na penúria, na necessidade, na indigência, na nudez... Ser humilde não pressupõe subserviência. Ao contrário, o homem que tem o direito de exigir, de lutar, de reclamar, quando apesar de tudo abençoa, este é o verdadeiro humilde. Talvez seja o sentimento mais difícil de ser exercitado. Em grande parte, somos tão exigentes conosco e com o próximo, em especial com nosso semelhante, que nos esquecemos de que somos feitos da mesma matéria falível.
O amor encontra seu espaço na humildade. Quem ama, no sentido mais amplo da palavra, é um indivíduo que se reveste de humildade, pois entende que ser humilde tem significado distante de ser humilhado; cuida do amor com benevolência, sem tomar para si todas as razões e justificativas; encontra no outro as delicadezas que tantas vezes não encontra em si mesmo.
Quando nos descobrem as fraquezas e medos, encontramos o caminho para o exercício da humildade: entender que não somos perfeitos e aceitarmos tais fraquezas, sem acomodação do espírito, pode nos levar a salvação de nós mesmos. Assim, nos afastamos da soberba e do comodismo.
Em tempos de tanta pressa e modernidade; de sociedades tão exigentes; de competitividade e exploração; de banalização do amor, do sexo e da cultura, cabe-nos a interiorização para investigar dentro de nós mesmos o quanto estamos nos valendo da humildade como arma virtuosa para reconhecer nossos defeitos e projetar nossa vida e anseios, da forma mais abençoada que possamos merecer.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sapatos, melhor não tê-los

A primeira vez que me lembro de um par de sapatos de verdade, foi o que ganhei para minha primeira comunhão.
Eram lindos, pretos, de verniz, chamados "boneca", com fina tira de couro que abotoava no tornozelo. Entre nós ocorreu um namoro silencioso. Os sapatos na vitrine da loja e eu, menina de poucas posses, perdidamente apaixonada! Eu queria, sonhava com eles.
Minha mãe em sua dificuldade financeira esticava daqui e dali o magro salário ( os professores naquele tempo também sofriam do mal que acomete os de hoje). Mas não sobrava, para um par de sapatos. E eu pedia, ela prometia, entre um trabalho e outro.
Mas minha mãe sofria com o aperto. Não tínhamos noção disto, éramos crianças e acreditávamos que ela podia tudo!
O tempo passou e eu, não sei se por insistência ou por mérito, ganhei o tão sonhado par de sapatos. Para a primeira comunhão.
Para a primeira comunhão! Até lá, quanto tempo? E o tempo passava na medida do meu tamanho. Lento, pequeno...
E eu pedindo. Mãe, deixa eu calçar os sapatos? E a resposta na ponta da língua. Não, este é para a primeira comunhão.
Não sei como não tomei raiva da primeira comunhão!
Chegado o grande dia. Vestido com pequenas flores cor de rosa, véu de renda, terço na mão e sapatos, que já não cabiam nos pés...
O tempo passou e eu havia crescido.
Podem imaginar a decepção? Que nada! Lá fui eu para a igreja com o coração aos pulos, os pés apertados dentro dos sapatos, os olhos fixos no meu caminhar.
Apesar de tudo, eles eram meus, não sabia por quanto tempo, não importava. Aquele dia duraria minha vida inteira.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A esmo

Descubro, olhando pela janela,
que viver é bom.
Como é bom o carinho do filho,
o olhar do amante, o beijo desejado,
a chuva que molha o rosto em dia de calor,
sol batendo na pele, a água correndo pelas mãos.
Como é bom amar o que se faz,
conhecer pessoas indiscriminadamente,
ouvir a canção perdida,
dar a gargalhada que explode a alegria,
servir, cuidar, amar e amar incondicionalmente.
Saber de tudo um pouco,
esquecer a mágoa e fugir da tristeza,
ouvir o silêncio das palavras
e deixar o coração guiar o caminho.

Olho pela janela e descubro que viver é bom.
Mas como dói.

Três marias

são apenas três marias.
juntinhas partilham anseios,
juntinhas dividem suas dores,
juntinhas caminham caminhos,
juntinhas exorcisam receios.

são apenas três marias,
formigas trabalhadeiras,
Helenas sem cavalos de batalha,
inquestionavelmente,
pequenas grandes guerreiras

Ao meu pai, no seu dia

De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa procuro recompor tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menina
Correndo ao teu encontro.
Deste-nos ombro e amor. A mim me deste
A suprema herança: a capacidade de amar
Em silêncio. Partiste um dia
Tua morte, como todas, foi simples.
É coisa simples a morte.
Dói, depois sossega.
Não és, como não serás nunca para mim
Um cadáver sob um lençol...
Por tudo o que não nos deste
Obrigada, meu pai.
Não te direi adeus, de vez que acordaste em mim
Com exatidão nunca sonhada
A imagem de pai inesquecível.

Mulher, 40 graus à sombra

Quando nasci, um anjo quieto, sereno, calmo e chorão disse: Vai, cumprir sua sina, fundar reinos, inaugurar linhagens... A tristeza não será sua irmã, mas a alegria, esta, sua grande companheira. Um dos dedos da mão de uma família de cinco (talvez o mindinho), cresci magra e miúda, verdadeiramente uma menina-diaba, de cabelos crespos e indomáveis.
Recebi de mamãe e de papai uma criação que me ensinou a ser responsável e a dividir com meus irmãos afeto, cuidados e respeito. Com meus irmãos, aprendo, todos os dias, que dificuldades veem, mas passam; que respeito é bom; e que família é tudo! Compartilho dores e sabores, alegrias e tempestades, a observação de que viver é bom, e de que a voz do sangue é forte e inquestionável.
Comecei a trabalhar muito cedo, escolhi o ofício porque tive o melhor dos espelhos: minha mãe. Com ela aprendi a arte do magistério. Acho que sempre quis fazer tudo parar agradar minha mãe. Acho, não. Tenho certeza. E disto nunca me arrependo!
Pude experimentar a glória de ser mãe. Aliás, sempre me orgulhei de ser mãe, em primeiro lugar. Filhos? Melhor não tê-los. Mas se não os temos como sabê-los? Como saber que macieza nos seus cabelos que cheiro morno na sua carne que gosto doce na sua boca! Chupam gilete, bebem xampu, ateiam fogo no quarteirão. Porém, que coisa que coisa louca, que coisa linda que os meus filhos são! Acho que cumpri direitinho meu papel. E me orgulho disto também.
O tempo passou e outras pessoas entraram em minha vida. Fiz companheiros e amigos verdadeiros. Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Conheci lugares e pessoas. Cresci. Transgredi para viver. Mas a menina ainda mora cá dentro. Tenho em mim todos os sonhos do mundo. Busco a terra sem vento, a mansa terra. E a batida surda e quente do magma mais profundo, para embalar o meu sono. Busco a tranqüilidade da enseada. Já conheci as águas que é preciso saber. Fui bem além das colunas de Hércules e há muito descobri que por mais longe o mar, jamais despenca. Lancei meu canto por entre espumas, encantei marinheiros. E eu própria naveguei, seguindo as estrelas do céu, contando as estrelas do mar, até chegar a portos dos quais nem suspeitava a existência. Agora é tempo de lançar as tranças na água e deixar que se enlacem nos rochedos, ancorando-me ao meu destino.
Agradeço a Deus a bênção da vida e peço: tende piedade, Senhor, de todas as mulheres porque ninguém mais merece tanto amor e amizade.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

mães não deviam morrer

Quero confessar:
eu tenho inveja de Drummond.
Ele pensou nas mães e viu que era bom:
mãe definitivamente não devia morrer.
Quero ser velho no colo quentinho da mãe também velhinha.
Faço oração a Deus e peço a redenção das mães.

Mães não deviam morrer nunca.