quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sapatos, melhor não tê-los

A primeira vez que me lembro de um par de sapatos de verdade, foi o que ganhei para minha primeira comunhão.
Eram lindos, pretos, de verniz, chamados "boneca", com fina tira de couro que abotoava no tornozelo. Entre nós ocorreu um namoro silencioso. Os sapatos na vitrine da loja e eu, menina de poucas posses, perdidamente apaixonada! Eu queria, sonhava com eles.
Minha mãe em sua dificuldade financeira esticava daqui e dali o magro salário ( os professores naquele tempo também sofriam do mal que acomete os de hoje). Mas não sobrava, para um par de sapatos. E eu pedia, ela prometia, entre um trabalho e outro.
Mas minha mãe sofria com o aperto. Não tínhamos noção disto, éramos crianças e acreditávamos que ela podia tudo!
O tempo passou e eu, não sei se por insistência ou por mérito, ganhei o tão sonhado par de sapatos. Para a primeira comunhão.
Para a primeira comunhão! Até lá, quanto tempo? E o tempo passava na medida do meu tamanho. Lento, pequeno...
E eu pedindo. Mãe, deixa eu calçar os sapatos? E a resposta na ponta da língua. Não, este é para a primeira comunhão.
Não sei como não tomei raiva da primeira comunhão!
Chegado o grande dia. Vestido com pequenas flores cor de rosa, véu de renda, terço na mão e sapatos, que já não cabiam nos pés...
O tempo passou e eu havia crescido.
Podem imaginar a decepção? Que nada! Lá fui eu para a igreja com o coração aos pulos, os pés apertados dentro dos sapatos, os olhos fixos no meu caminhar.
Apesar de tudo, eles eram meus, não sabia por quanto tempo, não importava. Aquele dia duraria minha vida inteira.