terça-feira, 22 de janeiro de 2008

mães não deviam morrer

Quero confessar:
eu tenho inveja de Drummond.
Ele pensou nas mães e viu que era bom:
mãe definitivamente não devia morrer.
Quero ser velho no colo quentinho da mãe também velhinha.
Faço oração a Deus e peço a redenção das mães.

Mães não deviam morrer nunca.

Revanche

O tédio sobrevive em todas as coisas.
Desfaz-se, entretanto,
nos pequenos atos,
tão simples,
tão fáceis,
tão repletos de silêncio.
O tédio com sua boca enorme
não é capaz de devorar
minha alegria.

Ser ou Ser

Sou o que sou:
incontida, repleta,
perceptiva, mulher.
Alegre porque feliz,
decidida porque desejo.
Não quero ter receios
daquilo que não vivi.
Quero a plenitude
do perfume
que exala
das minhas emoções.

Revelação.

Se um dia me perguntarem
se sei poetar,
nego.
Furto dos mestres
o mistério das palavras.
Escrevo porque sinto
e se isto é poesia,
me permito.

Tentativa vã

Não tenho mais medo.
De nada nem de ninguém.
Isento-me das culpas,
fortaleço-me nas pequenas certezas,
exorcizo meus fantasmas.
Expiei todos meus pecados,
Nessa vida feita de padecimento.
erro, acerto
erro e acerto novamente,
e mais uma vez erro.
Acho que meu acerto de contas é comigo mesma.
E do canto do meu olhar espreito nova possibilidade
de acertar.
Ou de errar ...

domingo, 20 de janeiro de 2008

O HOMEM NU: um olhar sobre a nudez


Sob o manto diáfano da fantasia, a nudez forte da verdade (Eça de Queirós).

O corpo desempenha papel de extrema importância e significação na passagem do homem pela Terra. Traço que o acompanha desde a criação do mundo, a nudez - o princípio da vida – acaba por ser responsável pelo elo característico da natureza humana: o nascimento e a morte. Todo homem nasce nu e ao morrer a nudez lhe confere o despojamento e então, tudo o que lhe revestiu o corpo durante a vida se detém frente à nudez da inexorabilidade da morte.
A passagem bíblica que narra o capítulo da Culpa Original esclarece a desobediência do homem e dá à nudez o caráter do pecado, da vergonha: o homem tem consciência de sua transgressão às leis divinas, esconde-se, ainda que não lhe tenha sido revelado por Deus que estava nu. Tomados pela consciência do pecado e punidos pela mão divina, o homem e a mulher tornaram-se conhecedores do bem e do mal, muniram-se de roupas, são expulsos do jardim do Éden e a partir daí as vestimentas e a nudez formarão o duplo antagônico que vai reger a questão do mito da nudez na história da humanidade.
A própria história de nossa colonização pode ser examinada como um enfrentamento de dois mundos: o mundo dos vestidos e o mundo dos desnudos, portugueses e índios experimentam a perplexidade mútuas, o que aos europeus pareceu causar maior espanto, aos índios imagina-se percebido como um acontecimento só assimilável em sua visão mítica do mundo.
Em muitas culturas ocidentais na atualidade, algumas partes do corpo como pés, mãos e rosto podem ficar descobertos, mas cobre-se o tronco. Peito, costas, ventres, órgãos sexuais (os sinalizadores da sobrevivência da espécie humana) são sempre vestidos e guardados. Em outras culturas, com seu código moral rigoroso, mulheres têm a obrigação de estarem sempre cobertas de preto, da cabeça aos pés.
A nudez durante o encontro sexual, durante o banho, nas praias de nudismo em nada aproxima o homem de sua condição natural, visto que é rigorosamente marcada por restrições territoriais. O oposto à nudez do nascimento, elemento universal, é a nudez institucionalizada: a nudez do strip – tease, que transforma o público, segundo Barthes, “em voyeurs obrigatórios e, assim contracenadores daquele código hiperlingüístico”.
A nudez é institucionalizada nos dias de Carnaval e, nas revistas masculinas virou marca registrada, exposta aos olhos de todos. Nos bailes de Carnaval, nos desfiles de escolas de samba, nos grandes clubes das cidades, parece estar substituindo as máscaras: os foliões se despem para vestirem a máscara da “sensualidade”, do “erotismo”, daquele tempo mítico de nossos antepassados indígenas. Nas últimas décadas a televisão passou a transmitir a nudez carnavalesca: ao trazer o nu para dentro de casa, o elemento natural desaparece e a nudez passa a ser aceita na moldura doméstica e assim, platéia e telespectador passam a redefini-la.
O nu aparece na literatura e na música como elemento de inspiração, seja na descrição diáfana dos românticos, seja na descrição erótica de contemporâneos, seja nas metáforas musicais de nossos compositores. José de Alencar, em um de seus romances indianistas, oferece-nos a descrição física da beleza indígena, como modelo de perfeição, numa visão de extremo lirismo: ao descrever, logo no segundo capítulo do romance Iracema, a beleza da índia tabajara, automaticamente remete o leitor à extraordinária virtude física que a personagem encerra.
Assim, o corpo traz, indelevelmente, sua marca de cultura. E o mito que ele encerra aponta para a multiplicidade, para a complexidade e desafia ao reencontrar a história da criação e a maneira como é conduzido através dos tempos.
A nudez em sua complexidade proporciona um rastreamento semântico de seus códigos e acaba por nos revelar as molduras de “sagrado” e “profano”: sagrado, do latim sacratu – aquilo que se sagrou ou que recebeu a consagração; que concerne às coisas divinas, à religião; aos ritos ou ao culto (...); e profano, também do latim profanu – definido como oposto ao respeito que se deve às coisas sagradas; não sagrado; leigo (...).
Hoje, no que diz respeito à nudez, transita-se no limite estreito entre os conceitos de certo e de errado, entre o sagrado e o profano, entre o bem e o mal. Vivemos numa demarcação estreita entre a nudez natural e a profana. E ainda que tenhamos uma aparente noção desta demarcação; ainda que conheçamos os cordões de isolamento, as proibições, os tabus que isolam tudo o que é sagrado e, portanto, só permitido a alguns (deuses, heróis, mitos, artistas) do que é comum e real a todos, a nudez nos irmana: nossa origem e nosso destino final neste mundo.

*Tomou-se, como ponto de partida, o filme “O HOMEM NU” (1997), de Hugo Carvana, baseado na novela de Fernando Sabino “A NUDEZ DA VERDADE”, a qual faz parte da trilogia de novelas do autor, “AQUI ESTAMOS TODOS NUS”.

O MULATO: RAÇA E COR NA LITERATURA

Numa forma de controle social, o homem cria o estereótipo, atitude que na verdade serve apenas para reforçar e justificar um determinado tipo de preconceito. A escravidão brasileira é responsável pela criação do estereótipo étnico, que vitimou o negro a viver no subsolo da condição social e que estabelece a distância social entre o senhor e o escravo fortalecendo contrastes entre o homem branco decente, culto, civilizado, e o negro bárbaro, irracional.
É claro que o estereótipo não está necessariamente ligado à etnia. Entretanto, a questão da raça e da cor representa o ponto crucial para a verificação deste componente no romance O Mulato, de Aluísio Azevedo. Através da leitura, será possível a um leitor do século XXI entender a trajetória dolorosa da existência do negro brasileiro tantas vezes vítima da segregação e de sentimentos de superioridade estabelecidos pelo branco europeu; o negro que até certa época não era estatisticamente considerado sequer como homem.
A cor do homem negro é, sem dúvida, o seu pior defeito e que dá à sociedade intolerante a chance de criar outros estereótipos populares. Assim, nascem da boca do povo expressões “negro de alma branca”,“casar com branca pra limpar a raça”, “mulato bem clarinho”, e que passeiam pela cultura popular numa forma de dissimular julgamentos de aversão à raça responsável pela formação étnica do povo brasileiro. A fusão do estereótipo com a realidade faz surgir, ainda, outros elementos, dessa vez, refletindo o ódio racial no Brasil. O preconceito estabelece, assim, o modo mais maledicente e indigno de intolerância racial.
O poeta mineiro e negro, Adão Ventura, cuja poesia “advém do sentimento da cor da pele”, mostra que para aparecer sócio-economicamente como indivíduo, o negro teve que incorporar valores brancos, que vão resguardá-lo da violência e do anonimato: o preto de alma branca e sua cor camaleão [...].
Antes da presença do Naturalismo como manifestação literária, a temática da cor e da raça chegava aos escritos sem a obrigação da polêmica. O Naturalismo trouxe renovação no que concerne à temática do negro, revitalizou tal abordagem acenando para a extinção do regime escravocrata. Nesse ponto, o romance O Mulato representa uma denúncia: Aluísio Azevedo tenta expor as feridas de uma sociedade pouco sensível às transformações que se faziam acontecer.
Com Raimundo, personagem principal, Aluísio procura fazer não o resgate do “preto de alma branca”- ainda que incorporasse as qualidades de um branco, o personagem descobre-se mulato e vê que não apenas a negritude aparente na pele é responsável pela indiferença e frieza com que é tratado: a origem negra será o “muro” que o separará das fronteiras históricas e sociais, que o levarão a um caminho sem retorno -, mas a denúncia da chaga social que vivia o país. Ao sentir-se amaldiçoado pela palavra que justificaria seu passado (um mulato!), brotam em Raimundo o ódio, a vergonha, o ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade: “Pois então de nada lhe valia ter sido bem-educado e instruído; de nada lhe valia ser bom e honesto?”. O que aconteceu a Raimundo explicita-se, ainda, no texto de Adão Ventura: Carrego comigo / a sombra de longos muros tentando impedir / que meus pés cheguem ao final dos caminhos.
Em O Mulato, o processo de criação empregado por Aluísio Azevedo continua válido. Nossas diferenças sociais ainda estão à espreita de observadores que penetrem no poço social que ainda tem, tantas vezes, aprisionado o homem de ontem e de hoje.


À memória de meu pai, cuja cor da pele nunca se transformou numa faca que atingisse em cheio os nossos corações.

“Minha pátria é minha língua”

Dias desses, estava dando aulas e li em sala um artigo publicado na internet em que o autor dizia ter horror a preposições, pelas alterações semânticas que ela podem oferecer às sentenças.
Pensando nisso, vejo que, talvez, seja por essa fartura de significações que tem nossa língua que muitas pessoas ainda se mostram arredias ao aprendizado deste idioma fantástico que é o português. E é aí que estas se enganam!
Nossa língua, semântica por excelência, oferece-nos tantas formas comunicativas, que fica impossível acreditar na “fobia” que acomete a tantos... A “última flor do Lácio, inculta e bela,/ (...) esplendor e sepultura”, de Bilac, está cada vez mais aberta às possibilidades de interação.
Basta ver as expressões cristalizadas pelos jovens ao dizerem “já é”, “fui”, “beleza”, “nem é”, para expressar frases inteiras, e cujos sentidos são expressos por pequenas lexias, expressões carregadas de cargas significativas. E como eles se comunicam!
Marcos Bagno, em seu livro, “Preconceito lingüístico” é quem sabe disso: desfaz, com facilidade didática, os mitos que ainda teimam em afirmar que “ o português é muito difícil”. Mas que nada! Caetano Veloso, em Língua, muito bem coloca: “ Minha pátria é minha língua/ (...) o que quer e o que pode essa língua”.
É claro que também não se diz nada aleatoriamente. É preciso pensar e pesar as palavras, antes de usá-las, e aí sim, domaremos este idioma, cavalo solto à revelia na arena dos medrosos e preconceituosos.
Querer “viver o mundo” e não “viver no mundo”; “ir ao encontro dos meus sonhos” e não “ir de encontro aos meus sonhos”; “aproveitar a amizade” e não “aproveitar das amizades”; “ter medo por você” e não “ter medo de você”; “querer mais com”, “menos sem”; “mais por”, “ menos contra”; “.mais até” , “menos após”; “mais entre”, “menos sob”, valem o desafio de encarar nosso idioma, tão rico em significados e sentidos.

Gênese ( para Paulo Mendes Campos)

No princípio do amor
existe o olhar, a escuridão
depois o acordar prematuro da alvorada.

Duas retinas paralelas
vítreas.
Dois corpos paralelos,
espelhos humanos que refletem com intensidade
imagens que se confundem
até chegar a uma indivisível:
escultura colocada no infinito.

No princípio do amor o infinito se encontra.

chamada

Leio incessantemente Fernando Pessoa,
alimento-me da sua emoção de fingidor.
Mas não me esqueço de Florbela
que espanca meu coração com sua sensibilidade.
Convivo num paradoxo com João Cabral,
na agudeza dos versos aliviados por sua destreza arquiteta das palavras.
Leio Bandeira e tenho saudades da infância que não é minha.
Encontro com Vinícius e prometo-lhe fidelidade enquanto durar a chama.
Me emociono nas palavras do transubstanciado Murilo Mendes.
Me perco no aroma das flores do mal de Baudelaire.
Reencontro os marginais cuja poesia irriga minha veia poética.
Roberto Piva, Paulo Leminski e Ana Cristina.
Me lambuzo na sátira modernista dos Andrade, Mário e Oswald.

Me aproximo e encontro ao meu lado, ali, tão fáceis,
tão poetas,
Everardo, Cleir,
Leíde.
E permito-lhes inundar minha alma de emoção.

Descubro que a poesia invadiu, sem perdão,
a minha vida.

canto fúnebre

Procuro e encontro meu passado
perdido em fotografias guardadas em caixas de papelão.
Papai e mamãe imigraram
para dentro da boca da noite
e de lá velam por mim.
Afogo-me em tristezas e caço nas lembranças
vestígios de mim.
E minhas dores desaparecem para sempre
no mar oceano.